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06 December 2006

UM CONTO DE NATAL


O cansaço pela vida chegou ao coração de Melissa. A perda de tantas emoções ao longo de sua vida, assim como a ingratidão das pessoas, as desavenças com a família que tanto queria que fosse unida, fez dela uma mulher em eterna depressão, onde já não notava o amor do marido e nem dos filhos.
- Para quê viver?
Era a pergunta que ela mais fazia.
- De que vale a vida?
Era a sua busca diária constante.
Com esse quadro, não demorou muito para que a medicação tomasse o espaço de seu livre arbítro. Ela não decidia, sequer, sobre o seu sono, pois ele só ocorria com a ajuda dos químicos, que anestesiavam a sua mente e afastava-a, por alguns instantes apenas, da realidade em que vivia.
O Natal já se aproximava. Mas, este ano seria diferente! Ela nem sequer pensava em preparar a sua árvore, tão pouco a sua casa. Ela já não tinha o que comemorar.
Sentindo-se incompreendida por tudo e por todos, Melissa deixou o seu lar e foi morar sozinha, quando faltavam apenas 10 dias para o Natal. E, na sua solidão, muitas outras perguntas surgiram e outras dúvidas varriam a sua mente.
- A minha vida não vale nada! Ninguém sentiria a minha falta depois de alguns dias da minha morte! É sempre assim: as pessoas passam e pronto... – dizia ela a si mesma.
Sai então a passear de carro pelas ruas, tentando arejar a cabeça, e vê muita gente em clima de festa e volta a questionar-se:
- No fundo, somos todos hipócritas: festejamos algo que acreditamos, mas não praticamos; não temos força para deixar de praticar aquilo que combatemos. Quando passar o Natal, estas pessoas vão voltar ao seu normal, com as suas individualidades, os seus egoísmos e os seus encolher de ombros para tudo que realmente interessa nesta vida. Estou cansada de tudo isto, Natal é uma coisa passageira, e pior ainda, falam e enaltecem o Cristo neste dia e depois nem se lembram das promessas que fizeram na Ceia. As pessoas esquecem-nas por terem medo e incapacidade de cumpri-las...
Já era tarde, e ela tão-pouco notou que o seu carro ficara sem gasolina. Vinha-se a esquecer de fazer muitas coisas triviais e abastecer o carro foi uma delas.
Sentiu que estava ainda mais certa sobre o individualismo das pessoas, quando pediu ajuda e ninguém lhe deu atenção. Ficou ali, com o carro parado naquele bairro escuro, no meio da marginal, olhando os suntuosos luminosos com as propagandas que assolam o longo muro do Jockey Club.
- E daí? – pensou ela – Ninguém está nem aí pra mim mesmo! A vida é muito estranha e as pessoas mais ainda.
Notou a presença de alguém a chegar, e pensou: Se fosse noutros tempos eu já estaria apavorada. Vão-me assaltar! Mas, do jeito que estou, que assaltem e quem sabe me tiram este fardo pesado que é viver...
Olhou para o lado e começou a gritar:
- Atire! Atire, não tenho nada para roubar...
Neste exato momento, ouviu um barulho com estrondo e ela viu-se no chão, ao lado de um homem que falava com ela.
- Estou morta? Consegui? Agora vou ficar em paz!
- Bem minha senhora, nem sempre podemos fugir tão facilmente assim de nossa missão nesta existência. Ao nosso lado está uma criança muito ferida. Precisamos de ajudá-la! Venha, tenho conhecimentos de primeiros socorros e, talvez, possamos salvá-la. Infelizmente os pais não tiveram a mesma sorte... – disse o homem.
Melissa disse então:
- Deus podia tirar a minha vida e dá-la a esta criança desfigurada, agora em meus braços, e à sua família dentro carro...
O homem exclamou:
- Assim seja senhora!
Ela sentiu-se um pouco estranha e, logo, percebeu que as pessoas envolvidas no acidente eram os membros de sua família. Tentou tocá-las, mas parecia que ninguém a notava.
Procurou o homem com quem conversou e percebeu que apenas ele podia notá-la. Perguntou-lhe como podia ser isso. Ele lhe explicou dizendo:
- Seu pedido foi atendido. Você deu a sua vida por esta família.
- Mas, esta é a minha família... – disse Melissa ao homem.
- Eu sei... – respondeu ele – Eles estavam à sua procura por toda a cidade, pois hoje é véspera de Natal, e todos sofriam pela sua ausência. Sofriam porque a amam e, essas pessoas todas que estão chegando ao local também a chorar, são suas amigas que largaram tudo na Ceia de Natal para vir prestar suas dores, aqui mesmo, no local do acidente. E você sempre pensou que nenhuma delas nada sentia por sua pessoa. Melissa percebeu que, durante muito tempo em sua vida, não soube responder com amor ao amor que recebeu das pessoas e, então, disse ao homem:
- Se Deus me desse mais uma oportunidade, eu mudaria e jamais deixaria os meus amigos, os meus filhos e o meu marido. Faria por eles tudo que deixei de fazer! Daria a eles o meu amor, de maneira incondicional!
- Assim seja feito! – disse o homem.
Melissa, então, olhou para o lado e gritou:
- Atire! Atire logo, não tenho nada para você roubar...
E, nesse momento, uma mão lhe tocou o rosto dizendo:
- Calma, meu amor, sou eu! Seu marido! E, logo depois, ouviu-se, um barulho, um estrondo... Era do cano de escape de um caminhão que por ali passava. Em seguida, os filhos de Melissa saíam do carro indo ao seu encontro, e outros carros estacionavam e, deles, desciam suas amigas.
Seus filhos a abraçaram e disseram:
- Venha mamã! Procuramos a senhora por toda a cidade nesta Noite de Natal. Queremos mudar as nossas e a sua vida e, para isso, vamos rezar e comemorar Jesus, para que, juntos, Ele nos faça encontrar a felicidade novamente!
Melissa abraçou o marido e os filhos e notou, do outro lado da Marginal, o Homem com o qual conversou, acenando-lhe um adeus e caminhando sobre as águas do rio, desaparecendo na névoa daquela noite...

24 November 2006

Foram 7 de uma vez!



Vou contar o que me atormentava desde o dia em que começei a escolher o meu vestido de noiva. Já tinha engordado cerca de 6 quilos desde o início do ano e não queria mais aumentar. Foi um dos motivos que me levou a fazer ginástica. Nem pensar em ficar mais gorda, muito menos em pensar que o vestido não servisse. E assim, cada vez que faço exercício é com uma ideia em mente: hei-de caber no vestido e há-de assentar que nem uma luva.

E não é que resultou? Afinal o esforço compensa. Foram 7,5 centímetros embora desde que começei a fazer ginástica. E não há-de ficar por aqui que ainda faltam uns meses para o casamento...

21 November 2006

É desta!

Escrevo agora num momento que me parece mais adequado e anuncio aqui a novidade que tenho guardado nas últimas semanas: esta abelha vai casar-se.

Já não há namoros ou noivados longos. Há este. Dura há 14 anos. Destes, 6 deles são de vida em comum, os restantes são parte de uma história a dois.
Uma história comprida de encontros e desencontros, uma novela feita por nós que ainda não acabou, ainda vai a meio - não é como aquelas da televisão onde já se sabe o fim da história e passam episódios de desencontros repetidos onde os apaixonados demoram a ser felizes. A nossa história já é feliz e teve de tudo: namoro, discussões, família, mortes, doenças recuperadas, uma filha, amigos bons e maus. Ainda terá mais, próximos capítulos virão já de seguida. Sem pré-visualização. Um episódio por dia.

Encontrei um poema que é adequado ao que sinto agora, como vejo este amor que não pesa nos anos:

O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mais pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade

15 November 2006

Novembro


Fiapos de nevoeiro entravam pelas escadas do Metro, em formas fantasmagóricas recortadas pela luz dos candeeiros. O vento fraco empurrava a neblina para dentro dos cafés, para dentro das janelas abertas dos carros parados nos semáforos, pelas ruas, por cima dos prédios. Foi neste cenário que sai do Metro, ontem, quando me dirigia para casa. Pensei que finalmente justificava o casaco que levava vestido, o mesmo que parecia tão desasjustado de manhã quando o sol se fazia sentir por entre as nuvens.
Segui de carro pela estrada dos Salgados. Cobertas pelo nevoeiro, as árvores deixavam apenas o tronco e alguns ramos à vista. Parecia um túnel, um túnel de névoa. A fonte, ao fundo, não se via. Na estrada iluminada pelos postes do passeio, os carros seguiam com prudência. Algumas pessoas andavam por ali também mas eram apenas vultos negros debaixo das luzes amarelas. O campo ao lado da estrada não se avistava. Parecia que tinham erguido paredes e não haveria forma de sair daquele túnel. Mais adiante, nos semáforos, o cenário era mais bonito. Derrepente a névoa terminava ali, onde começam as decorações do Natal, luzinhas a iluminar as ruas de diversas formas e feitios.
Cheguei a casa e pensei que finalmente parecia o tempo de Inverno que me lembrava em criança. Olhei para a rua, pela janela da cozinha, àquelas horas em que o silêncio reina, apenas quebrado pela passagem de um carro ou pelo som das pessoas que passam na rua - do sexto andar, no sossego da noite, consigo ouvir as conversas de quem por ali passa como se estivessem na minha sala em amena cavaqueira - olhei e vi a paisagem nocturna, cheia de luzes e reflexos. Aqui e ali, por entre os prédios, bocados escuros, opacos, como se tivessem enchido as ruas com algodão e a cidade esperasse em pose por uma fotografia não tirada. A névoa tinha descido à cidade e passeava-se por entre as ruas tal serpente por entre troncos.
Abri um pouco a janela. O frio entrou. Estendi a mão para fora e senti a humidade da noite. Recolhi-me e fechei a janela. Ia saber-me bem entrar para a cama, agora com lençois de flanela e chegar-me para perto do meu noivo já adormecido.
E assim foi.

06 November 2006

Zumm de ouvido

No balneário:
"- As magras despacham-se mais depressa. Não têm rugas para lavar."

31 October 2006

Acordar ao domingo II

Pois a pedido da AnadoCastelo, cá vai o resto da história.

O banho na casa da avó. É um acontecimento. É mais do que um banho. Não tenho banheira, tenho um poliban. É do mais práctico que há. Duche em 5 minutos, no meu caso talvez 20, com o recente problema do esquentador cerca de 1 hora. Mas na avó… é outra estória. Há uma banheira. E para uma menina de seis anos, aquela banheira vira natatória. Os olhos pequenos e redondos brilham enquanto a água corre em som de cascata a bater nas rochas. O nível sobe e com ele a ansiedade de mergulhar naquela água límpida. As bonecas tipo barbie são as primeiras. São atiradas com cuidado e afundam-se na água transparente. Depois, a minha filha entra. Um pé, depois outro. Mede a temperatura da água nas pernas e decide que está perfeita. Senta-se rapidamente e começa. Um sorriso estampa-se-lhe no rosto enquanto submerge o corpo e apanha as duas bonecas de sorriso congelado. Deixo-a brincar antes de a lavar e sento-me a apreciar o seu contentamento. Fico feliz por ela, com ela. Naquele momento, a felicidade está ali, ao alcance de um banho de imersão.

Gosto de a ver com o seu vestido verde e camisa de folhos e florzinhas, cabelo solto pelo ombro, movendo-se com graça a cada passo saltitante. Feliz, exibe um sorriso branco de dentes de leite, bochechas delicadas que fazem covinhas quando sorri, olhos grandes com pestanas fartas. Imagino-a daqui a uns anos. Prevejo-a diferente mas com um sorriso igual, covas marcadas, de olhos redondos sombreados por fartas pestanas pretas.

E no resto do dia beijo-lhe a face, pensado que não me canso de o fazer, nem a fartura de tantos beijos satisfazem o meu apetite por tal.

29 October 2006

Acordar ao domingo

Pela manhã, os olhos abrem e fecham várias vezes, como se tivessem um pequeno peso a impedir a sua abertura e a luz do sol aproveitasse cada piscadela para invadir cada milímetro da íris que recua perante a invasão solar. Esfrego os olhos e fico a aguardar que consigam finalmente abrir. Beijo o marido (agora noivo) e dou-lhe os bons-dias. Oiço a minha filha no quarto ao lado e digo-lhe bom-dia também. Vem fazer uma visita à nossa cama, como lhe é hábito pela manhã, o que me faz sempre sorrir. Tenho intenção de tomar banho e penso que já deve ser tarde e os vizinhos devem ter tido a mesma ideia e a água não chega para todos, pelo menos não ao sexto andar deste malfadado apartamento. Abro a torneira e não oiço o esquentador inteligente - a sua aptidão resume-se à sua capacidade de acender e apagar o pavio a cada girar de torneira de símbolo vermelho. A água fria jorra do duche e confirma os meus receios. Não está tempo de duches frios apesar do Verão de S. Martinho ter chegado. Torço o nariz e vou pedir socorro ao marido - perdão, noivo - que assume o papel de cavaleiro andante e ajuda-me a tomar um banho improvisado de "jarradas" (água em jarro). Sinto que recuei no tempo e fico a imaginar como seria tomar banho há dois séculos. As senhoras em tinas de madeiras onde as criadas levantavam jarros de bronze aquecidos à lareira e deitavam a preciosa água quente pelas costas das damas enquanto estas se esfregavam com pequenas toalhas de algodão. Até estes banhos desprovidos de água canalizada foram mais nobres que o meu duche de hoje.
O sorriso da minha filha faz-me pensar que não quero que ela passe pelo mesmo tipo de limpeza higiénica que eu. Faz-me falta uma banheira e sei quem tem uma: a avó. É para lá que vou.

23 October 2006

Humor ginastical


Aparentemente fico com um melhor humor depois de fazer com que todos os poros do meu corpo transpirarem (entenda-se “entrei para um ginásio”). Liberto a letargia matinal para ganhar uma energia renovada igual àquela que surge a meio da tarde, a mesma que, num dia comum, demora horas a chegar e só vai embora de madrugada, como se embarcasse numa longa viagem, onde o sono fosse o seu meio de transporte, igual a um comboio que não parte a horas e não sabe a que horas chega.
Assim se passou a manhã, num esforço que espero vir a ser recompensado, de ritmo acelarado, para eventualmente fazer bem à saúde e mal aos indesejados “pneus”. Não consigo, ainda, imaginar-me melhor. Parece algo ainda muito distante. Parece-me na verdade inalcançável. O tempo o dirá.

19 October 2006

Sonho incerto

E palmilho a incerteza, procuro-lhe os pontos fracos, injecto neles as minhas certezas e transformo-os em sonhos palpáveis. Num lago achatado de águas claras, vejo espelhado o fruto do meu forçado descanso, como numa visão - surge em névoa, cenas curtas de filme entrelaçadas, desenrolando um sonho sonhado num misto de verdade e mentira. E acredito. Acredito na minha visão, acalenta-me a alma e anseio o dia em que será verdade, conto agora os meses, os dias, à espera do meu sonho, tão diferente de outros tantos, igual a tantos outros.

10 October 2006

Zunido ao ouvido de Deus

E porque Deus está em todo lado, porque é omnipotente, porque nos ajuda em tanto sem nada pedir em troca, porque somos ingratos e a única coisa que Ele precisa é de um “obrigado” aqui deixo o meu:

Obrigada meu Deus por este dia. Agradeço as coisas boas que me aconteceram. Abençoa esta noite que inicia e todos os que nela ingressem.

04 October 2006

Consumista e descartável

Estamos numa época de consumismo. Ninguém nega. Eu também uso produtos que faz de mim uma típica consumista. Levo-os para casa e a minha família também consome os ditos produtos. Estes têm características comuns, que faz deles produtos de usar e deitar fora. O shampoo acaba e frasco para o lixo; o iogurte come-se e a caixa vai fora; o sumo bebe-se e a garrafa vai embora. Isto está tão incutido na nossa vida quotidiana que os mais novos habituam-se a “identificar” estes produtos e lixo com eles.
Este fim-de-semana, comprei umas formas pequenas com tampa, próprias para doces. Fiz gelatina e usei as ditas caixas. Brancas, de plástico, de formas finas. A minha filha acabou de comer a sua gelatina e pedi-lhe a caixa para lavar:
- Qual caixa?
- A caixa onde estava a gelatina.
- Ah. Deitei no lixo.
- Porquê? Não era para deitar...
- Pensei que era para deitar fora.

E pronto. Caixinhas para o lixo, que isto de ter ar de copos de plástico é igual a ser descartável.

28 September 2006

Cara à banda

Recebo chamadas dos leitores. São ossos do ofício. Deste pelo menos. Ouvir queixas ou lamentos, de quem sofre do outro lado da linha telefónica. Já ouvi elogios. Já ouvi desaforos no aparelho residente desta empresa bafejada pela vaga de despedimentos não-colectivos. Também eu podia ligar para mim mesma e relatar o que aqui se passa, falar sobre a supresa da notícia que se estampou na cara das pessoas, narrar o filme desta tempestade de insegurança que desabou, não em forma de chuva mas sim de sussuros de dúvidas, de exclamações de espanto, acenos de cabeça de reprovação, com "a cara à banda" (expressão usada pela minha avó em diversas situações de surpresa). Contenção de custos, dizem.
Eu também me contenho. Em comentários.
Oiço um senhor. A queixa é sobre os correios. Atrasaram-se na entrega das cartas e agora tem contas em atraso. Vai ter de pagar taxas de juro demora. E mais. O carteiro falsificou a assinatura do destinatário e ficou-lhe com a carta. Continua a expôr o caso, quer ser uma fonte anónima, não se importa de falar sobre o assunto. Quer que alguém lhe dê ouvidos. Quer expôr esta vergonha que se passa neste país, onde os desavergonhados governam. Como se fosse possível, através da exposição do assunto, que o carteiro fosse castigado e justiça fosse, assim, feita. Quase lhe disse para ir à polícia apresentar queixa. Mas pensei que também eles nada fariam. É preciso provas. Não há muito por onde pegar. É mais um de "cara à banda".

18 September 2006

Pós paz das férias

É com um certo pesar que volto a um ritmo forçado de rotina após um ritmo desacelarado alcançado durante as férias. Ali, na aldeia, tudo se faz sem pressa e, no entanto, sem atrasos. Vive-se serenamente e para mim, que me considero uma rapariga de cidade, com uma pacatez a que não estou habituada. Preciso de uma certa adrenalina, já não sei viver sem pressão, sem stress, sem horários apertados onde mal há tempo para estar a par da última série da TV ou para uma ida ao café com os amigos ou até para ir ao cabeleireiro.
Sem ainda esquecer a liberdade que usufrui na pequena aldeia ao lado de Viseu, chego à porta de minha casa, de táxi alugado pela companhia de seguros - o meu carro sobreaqueceu na área de serviço do Pombal e obrigou-nos a diversas chamadas, capôt aberto, olhares revirados e horas perdidas com o reboque a finalizar a situação. Deparo-me com a realidade, crua e diferenciada, do prédio que habito, uma centena de quilómetros para sul, ao lado de um bairro social recém-construído e ainda em adaptação (está melhor nos últimos tempos, mais sossegado). Voltei a ter cuidado quando saio à rua, quando vou ao multibanco, quando entro num café a uma hora mais tardia. Mesmo assim, esqueci-me, nos primeiros dias, da diferença hospitaleira sentida no norte e entrei na frutaria ao pé de casa com um sonante "bom-dia" ainda contagiada pelo espírito nortenho. Só a dona da frutaria me respondeu (e porque conheço a D. Lurdes dali mesmo e às filhas que às vezes andam pelo meio da loja, entre as maçãs royal gala e as maçãs bravo esmolfe e porque cordialmente me cumprimenta, alegre e franzina, todos os sábados na sua árdua e atarefada lida de reposição de frutas e legumes, alguns tão pesados e volumosos como a sua pessoa).
No regresso ao emprego senti-me ainda influênciada pela boa educação e cortesia de Viseu, cumprimentado toda a gente e adoptando o ritmo trazido de casa. É nele que ainda penso estar a viver e penso continuar até a sensação persistir, o que me deixa curiosa, atenta em saber até onde pode durar algo tão rapidamente adquirido (o que é bom acaba depressa e eu preferia que persistisse este feeling de descontração, aliás gostava que se enraízasse e crescesse como erva-daninha dentro de mim, que não me ia importar). E embalada neste ritmo, termino com um bom dia para vocês.

01 September 2006

Em férias

Estou de férias num cantinho de Portugal, numa aldeia perto de Viseu onde o sino da igreja toca as doze baladas a meio do dia e ao início da madrugada e repete-as quase de seguida, caso não tenhamos tido tempo de as contar.
Nesta aldeia pequena, onde nada falta - nem a internet que apesar de gratuita é contada ao minuto e termina no zero em contagem decrescente de meias-horas - estou a descansar e a tomar-lhe o gosto. O ritmo é diferente apesar de toda a gente fazer o mesmo que em Lisboa: compras de supermercado, trabalho, ida ao café, pagar as contas, impostos e segurança social. Mas parece que sobra tempo. Aqui o relógio marca o passo lentamente e faz com que sobrem horas no mostrador ao fim do dia. Dou passeios depois do jantar, com calma, sem a preocupação de algo urgente para acabar ainda antes de me deitar, respiro o ar puro, caminho no meio da estrada quase sem trânsito e chego a pensar que seremos (eu, marido e filha) as únicas alminhas vivas na aldeia aparentemente deserta. Chego ao café e eis que a esplanada está repleta de vida. As crianças brincam despreocupadamente na praça em frente. Eu também deixo a minha ir saltar para a borda dos passeios junto das outras crianças. E penso que estou a habituar-me bem demais aqui. Poder relaxar e deixar a minha filha brincar no meio da rua, ir a um café e devolverem-me os óculos de sol perdidos há 2 dias, ouvir bom-dia em todas as esquinas, pessoas hospitaleiras à minha volta, pão de mistura acabado de fazer em fornos a lenha (ai meu Deus, como o pão sabe bem só com manteiga) .... Enfim, não estou acostumada.

Ai, ai. Estou é a ficar muito mal habituada. Vai custar voltar ao "normal".

17 August 2006

Ancas mentirosas, pés mal dizentes

Sei que as minhas ancas mentem. Não são como as da canção, que se movem com graça, nem trazem suspensas, na ponta de um cordel, os pés, que se mexem ao mesmo movimento, o som da música. As minhas ancas mentem. Já foram mais bonitas - sempre grandes -, já se mexeram mais. Fui muitas vezes a uma discoteca na Costa da Caparica e aí mexeram-se muito. Sozinhas ou acompanhadas do ondular dos cabelos compridos. Viraram-se pares de olhos para verem o entusiasmo com que se mexiam. E eu libertava-as juntamente com o resto do corpo, como se ninguém estivesse a olhar e sentia-me livre. Fazia pausas para recuperar, tendo copos cheios de água como companhia, a melhor amiga ao lado – trabalhava lá, ela e o namorado, hoje marido, e fazia-me companhia na pista ou nas escadas, sempre que podia tirar um minuto entre os pedidos comuns de águas, 7ups, whiskys cheios de coca-cola e pedras de gelo (conclui que devia ser a bebida dos meninos-tentando-ser-homens: sempre dá um ar maduro beber whisky e a coca-cola sempre disfarça o horrível sabor a álcool) – desforrava-me na house music do DJ da casa, aquele que nunca aprendi o nome e que também levava a namorada para a cabine de mistura por cima da pista. Sempre muitos clientes, sempre muito novos. Alguns, imaginava, terem fugido a um castigo qualquer dos pais e foram sem aviso prévio ali com outros amigos e amigas da mesma idade, de presença insegura mas divertida, de meninas a tentarem parecer mulheres – a casa-de-banho parecia os bastidores de um teatro antes do início do espectáculo, cada uma a retocar a maquinhagem trazida de casa, na mala ou em bolsas próprias – onde eu, obviamente, me incluía, maquilhava-me na altura em que a discoteca mal tinha aberto a porta e mesmo tendo o privilégio de ir de boleia até lá, sabendo que ninguém iria olhar a minha pintura facial e que não havia problema de o fazer em casa raramente o fazia - umas a ajeitarem alças de sutiãs que insistiam em sair do sítio, outras mini-saias que subiam demais (uma mini-saia não sobe demais, só ao encontra o seu nível), malhas inesperadas numa meia de lycra (quantas atiravam simplesmente os colans para o lixo e eu achava o gesto o mais libertador possível, cheguei a fazer o mesmo numa fase em que qualquer marca que usasse tinha o fado de abrir uma malha a partir do mesmo dedo do pé, não o maior mas o que está logo a seguir, dedo em que culpei a unha declarada inocente ao fim de a ter cortado e a ter limado quase até ao sabugo e que descobri serem os meus sapatos os culpados, os sapatos pretos de dança só usados naquela casa, nunca no emprego ou na escola, que eram apertados mesmo naquele ponto e que não havia solução para o mal que atingia os meus colans).
Continuava a dançar até de madrugada, até o DJ passar a música-de-ir-embora, horrível (a minha amiga explicou que era uma técnica usada pelo o DJ, e aprovada pelos donos da discoteca, para que os últimos clientes saissem e se eu não fosse para casa à boleia, garanto que também iria embora) até desligarem as luzes e pagarem aos empregados, pagos à semana ao início das manhãs de domingo, e irmos os três, eu, amiga e namorado, gastarmos uma parte na pastelaria ali perto em torradas, sumos de laranja e e meias-de-leite com cheiro a café acabado de moer, tentado não cheirar muito a tabaco – tarefa impossível depois de uma noite inteira dentro da gigantesca nuvem flutuante de fumo em torno da pista de dança. E voltava para casa, cansada, com os pés a mal-dizerem de tantas horas sem descanso mas de coração leve, com um sorriso nos lábios e sem colans.

15 August 2006

Zumm lido II

"Work like you don't need money; love like you've never been hurt; dance like no one's watching."

De alguém.

10 August 2006

Acerca do hospital das vacas em fibra de vidro


Leio numa notícia de hoje num jornal de referência, o título “Últimas doentes do hospital CowParede regressam hoje às ruas”. Parece-me ridículo. As vacas em fibra de vidro espalhadas pela cidade de Lisboa foram temporariamente removidas dos seus locais de exposição e levadas para um “hospital” só para elas, ondem podem “recuperar” a forma. Penso nisto a quente. Criámos um hospital (ok, é tipo atelier mas foi criado à mesma) só para as vacas – que nem sequer são verdadeiras ruminantes, com coração, sangue e pouco cérebro. São de FIBRA DE VIDRO. Certo que são objectos de arte pública. Mas são OBJECTOS. Abano a cabeça com uma expressão indiferente (às vacas, claro, quero lá saber de umas vacas-objecto-arte) e penso que estão a fechar maternidades neste país, penso na ansiedade que as mães estão a passar na dúvida de quem irá acolher o parto (já têm dúvidas do parto em si), de quem serão as mãos que irão amparar uma nova vida, se portuguesas se espanholas, se perto ou longe da família, se irão aguentar até chegar à maternidade em terras vizinhas ou se acabam por ter em casa como antigamente – e regredimos quase um século onde a parteira era a pessoa mais importante de todo o processo e penso que às tantas seria melhor voltar a esses dias, ter um acompanhamento personalizado e não um atendimento em série como se estivessemos numa fábrica com linha de montagem (entra mãe de barriga, sai com bebé nos braços) ou sermos tratadas como se fossemos gado a marcar.
Tenho pena de quem tem de sair do país para poder ter condições clínicas minimamente preparadas para um parto. Não vejo como o fecho das maternidades seja positivo para o país, país este que se queixa da baixa natalidade - faltam crianças, Senhor mas faltam também condições para as termos. Não há rezas que levem o Ministério da Saúde a repensar o fecho não só das maternidades mas também dos hospitais - ah, sim que os doentes também não se escapam à rasia da saúde e isto dá pano para mangas e também para o resto do guarda-roupa. Não há condições para nascer e também não haverá para morrer.

09 August 2006

Babada


Escrevo com o queixo apoiado na secretária, olhos ao nível do teclado (não dá jeito mas o desalento não me deixa levantar a cabeça), outlook aberto com mensagens a cair com junk emails à mistura e penso que tenho fome e quero almoçar, não um almoço qualquer mas o farnel que deixei esquecido na segunda prateleira do frigorífico, em casa. Arroz frito feito ontem às 23h00 depois de ter saído tarde do emprego para acompanhar espetadas assadas no forno. Tudo condicionado dentro de um taparuwere (isto escreve-se assim?), um que é semi-transparente com tampa colorida.
Tenho que deixar um conselho aqui: NUNCA comprem caixas de plástico opacas mas sim transparentes – evita que se esqueçam do que lá está dentro.
É um detalhe que faz a diferença no dia-a-dia. Hei-de escrever um post só para falar de detalhes da casa. Agora vou-me arrastar para o restaurante mais próximo.

02 August 2006

Namoro no Metro


Saí na habitual estação de metro a caminho de casa. Subi as escadas que levam à saída. Passei por um casal de namorados atrás de uma coluna no meio das escadas. Coisa comum, nada invulgar. Reconheci, no entanto, que era o mesmo casal de ontem, de anteontem e da semana anterior. No mesmo degrau, atrás da mesma coluna, na mesma posição - ela no degrau acima do dele, com os braços em redor do seu pescoço, ar embevecido. Chamou-me a atenção a diferença de idades, estampada na face de ambos. Ela deve ter idade para ser mãe dele. Não impediu, obviamente, o mesmo ambiente que cerca um casal de namorados. Beijos, olhares ternos, um carinho suave no cabelo, um sorriso no rosto.
O que levará este casal a encontrar-se num degrau de uma escadaria do Metro, o mesmo local ao fim do dia, todos os dias? Estão semi-escondidos? Como se conheceram? Qual a sua história? Subi a escada rolante, com perguntas na mente e um filme a desenrolar-se dentro da cabeça. Gostava de saber se a história que imaginei estará perto da verdade...

27 July 2006

Curto passeio

A caminho do trabalho, decidi sair na estação de metro anterior e ir a pé. Um leve passeio para arejar as ideas e as sandálias de fitas que estiveram em casa, fechadas no terceiro compartimento de plástico de um móvel feito do mesmo material – o único da casa-de-banho. Começei a andar e verifiquei que estava a curvar as costas. Imaginei então um fio preso no alto da cabeça - como as marionetas têm - e que alguém o puxava. As costas acompanharam a minha fantasia e responderam, endireitando-se a cada passada. Por fim, andei direita, com um porte que me pareceu mais bonito e até o delinear do meu rabo parecia mais pequeno (o que é difícil). E, no meu novo passo endireitado, sorri e dei passos confiantes, largos, vigorosos, em direcção ao meu destino. Sorri e tentei não franzir os olhos, nem a face que levavam em cheio com a luz do sol de Verão. Não é simples. Há que descontrair os músculos e contrariar o movimento de encolher ou franzir, seja o que for. Segui o meu caminho com um ar mais descontraído, disfarçando as minhas paragens para atar as fitas das sandálias, ora de um pé ora de outro.
O vento obrigou-me a segurar a saia para que não mostrasse as pernas acima do joelho e deu-me um novo penteado despenteado, ao estilo rebelde do que o meu cabelo gosta de cada vez que não o moldo com o secador.


E cheguei.

24 July 2006

Ainda as àrvores aqui da rua

Depois do abate das àrvores aqui da rua, supostamente mortas, não vieram as Pyrus Callersyana em substituição. Em vez disso, ficaram os troncos cortados, numa espécie de monumento vivo. Calculei que deve ser difícil arrancá-los pois as raízes estendem-se debaixo do passeio aprumado. Espanta-me agora a forma como se encontram. Estão cheios de verdura nova ao ponto de mal se verem os troncos serrados. Foram abandonados ao seu destino e revelaram-se vivos e capazes de florescer. Pergunto-me se as ditas àrvores estariam realmente mortas, como anunciado. Seria um capricho de um vizinho farto de acordar com a visão das folhas verdes à janela? Poderá ser a vontade de um só, indiferente às restantes vontades alheias? Assaltam-me as perguntas e as teorias na cabeça, todas sem resposta. Só sei uma coisa. A vida desperta nos troncos abatidos, enchendo a rua de verde outra vez.

19 July 2006

Zumm lido

"A felicidade é como a saúde: se não sentes a falta dela, significa que ela existe".
Ivan Turgueniev

18 July 2006

Nostalgia

Que seca! Mais um dia = rotina. A vida social foi por abaixo há já algum tempo. Resume-se ... espera. Não há o que resumir :P. É verdade. Não foi só por água abaixo como deixou de existir.
Este fim-de-semana, numa tentativa de ir à praia - só podendo ser totalmente compreendida por quem também tentou e desesperou com as filas por todo o lado, antes, durante e depois da Costa da Caparica (acrescentar o calor abrasador e temos o cenário composto) - conseguimos encontrarmo-nos com uns amigos a caminho da praia. As duas horas que se seguiram foram divididas entre a tentativa de estacionar, um pouco de conversa entre um mergulho e secar em cima da toalha e despedir para vir embora. A existência de crianças de ambos os lados fez com que os horários tivessem que ser cumpridos, diminuindo o tempo em conjunto.
E isto foi o melhor que se arranjou em vários meses.

Caí na rotina. Está, irremediavelmente, instalada no meu dia-a-dia. Como a nódoa que não sai. Não sei contorná-la ou enganá-la. Tento mas ela é mais esperta. Tem mais experiência do que eu. É da idade. Vencida mas não convencida. É assim que eu vejo a coisa. E vou tentado dar a volta. É difícil porque não há meios para isto. Faltam subsídios de apoio à exclusão social. Devia haver um em cada orçamento familiar. Para todas as idades.

Penso na minha avó, a única que me resta, que tem 82 anos e vive com a minha tia. Apesar dos netos a adorarem, a bisneta também, as filhas apoiarem-na, faltava alguém com quem falar. Uma amiga. Ela também não pode sair sozinha por muito tempo. A família que lhe resta está longe. Os poucos amigos falecidos. Alguns ela nem sabe da sua morte. Escondemos as notícias como se fossem rebuçados tirados da mãos de gulosos.
A minha avó tinha muito jeito para esconder as coisas. Lembro-me de uma vez que escondeu das minhas mãos o frasco de pó-talco que eu usava em vez da farinha para fazer "bolinhos" para as bonecas. Andei dias a espreitar o armário da casa-de-banho mas nada de frasco. Um dia, na cozinha, procurava uma embalagem (não me lembro do quê) e dei de caras com o pó-talco arrumado ao lado do azeite e do vinagre. Esteve ali mesmo à vista durante dias e eu não dei conta.
Tenho saudades desse tempo em que ela tinha ainda a sua casinha e cozinhava uns fabulosos rissóis de peixe que nunca mais comi nenhuns iguais. Preparava-os de raiz. Primeiro a massa. Com farinha, fermento, azeite, sal e água a ferver. Amassava tudo, enquanto fumegava, até ficar uma bola. Não sei como aguentava o quente. Deixava a levedar. A massa duplicava e era estendida com um rolo da massa em madeira e depois cortada em círculos com um copo grande de vidro - já não há copos de boca larga como antes, só canecas mas não é o mesmo - e recheava cada bolacha de massa espalmada com um delicioso refogado de peixe feito na frigideira preta, toda preta, pega incluída, a qual nunca percebi bem se era mesmo toda feita em metal. Depois dobrava a massa ao meio, em semi-círculo, e fechava delicadamente a borda, apertando a massa com cuidado. Eu comia pedaços de massa que ficava fora do copo, que formava os rissóis. Ou então, improvisava um rolo de massa com uma garrafa - que antigamente era quase todas em vidro, fossem de leite ou de água - e fazia pequenos rolinhos a imitar croquetes ou tortas, conforme a brincadeira. Tudo comestível.

Ela já não se lembra de como se fazem, por causa da idade avançada. Eu, por causa da tenra idade, não me lembro como se fazia. Só o que aqui está descrito. Como num sonho repetido, em que sabemos o que vai acontecer. Talvez ainda me venha a lembrar de mais detalhes e consiga lembrar-me da receita por inteiro. E aí venham os rissóis. E mais uns para a minha avó. Desta vez serei eu a deixar comer os bocadinhos de massa que ficarão do lado de fora do copo.

11 July 2006

Dia tropical

Não. Não acabei com o blog. Esteve abandonado, não me apeteceu tomar conta dele. Dias houve que não me apeteceu tomar conta de mim.

Hoje, dia típico de clima tropical, de céu escuro, vi uma estranha dança com três protagonistas principais: folhas, chuva e vento. Rodopiavam as folhas soltas pelas árvores e as gotas refrescantes ao sabor da agitação temporal, criando um movimento circular e aspiralado, num suave remoinho de verde e amarelo. Pelo meio, interropiam os chapéus de chuva abertos com criaturas vestidas de camisas de alças, abrigadas da chuva. Havia também quem não tivesse chápeu e nem tentasse fugir da dança. Pelo contrário. Inadvertidamente, fazia parte dela. O passo calmo, ritmado, debaixo do ameno aguaceiro, actuava como um compasso, marcando pausas às varridelas do vento que movia as folhas, os cabelos, os tecidos soltos das saias das senhoras. Tudo isto assisti, no meio do palco aberto, de cabelos no ar, sem correr.

Penso que este é o nosso Verão, agora. Diferente do que estamos habituados, saltando entre o Outono e a Primavera, ainda sem definição concreta.

06 July 2006

Insperiência


Um novo conceito que apredi hoje mesmo. Tem como objectivo trazer para dentro de casa uma experiência que habitualmente está disponível no domínio público (ou seja, fora de casa).
Por exemplo, ter um home cinema em casa. Estamos a trazer o cinema para o domínio caseiro.
Há mais insperiências que se acomodam a este exemplo. Pipocas. Podemos ter uma máquina de pipocas 'caseira' ou uma máquina de algodão doce, se preferirem. Já agora, vi ambas à venda na Box do Jumbo, se alguém estiver interessado.
Pois, fiquem insperiênciados - é só juntar um sofá confortável, home cinema com o devido ecrã proporcional à coisa, uns amigos (para tossirem no meio do filme e comentarem em voz alta, faz parte da insperiência) e... voilá.

16 June 2006

Condutores


Apanho condutores de todo o tipo na minha deslocação diária (só em dias úteis) para a estação do Metro - aquele que me leva, efectivamente, ao trabalho.
Tenho o dom de apanhar os mais estranhos e, principalmente, os que andam desesperadamente devagar. Nem sempre é fácil aceitar ir a menos de 40 km/h numa recta com pouco trânsito onde a velocidade habitual é de 80 km/h (eu sei que está acima do permitido por lei mas é uma estrada segura, com poucos peões, larga e sem sinais).
Juntam-se aos vagarosos condutores, camiões do lixo (como é que eu os apanho de dia??), autocarros, alguns carros desnorteados (não vejo outra razão para andarem hesitantes e virar de repente numa rua qualquer). Também igualmente problemáticos são os velhinhos ao volante (os piores), mulheres (onde me incluo obviamente) e gajos de outras raças (pretos, indianos - não todos mas a maioria) que NÃO SABEM conduzir.
O pior é se os apanho a todos no MESMO DIA. Que horror. Parece que ando num jogo de computador onde só vale a pena jogar se carregarmos nas teclas todas sem cessar, freneticamente, esperando poder progredir.

Sou só eu que os apanho??

12 June 2006

Um dia sem ti

Dei conta este fim-de-semana, de como levamos a vida tão apegada aos filhos.

Por um dia, deixei que a minha filha fosse levada e que alguém (que não eu) tivesse que estar de olho ao que fazia, lhe desse de comer, brincasse com ela, ralhasse quando a cabeça ficasse ao alcançe dos raios solares, se preocupasse com atacadores de sandália que ganham a mesma cor do chão e potencializam os tropeções, por si já tão bem instalados na existência da minha filha.
Espantei as ansiedades e vi-me a par com um dia por preencher. Não me sentia bem. Um nó no estômago, uma vontade de viajar para o mesmo destino do carro que levou a filha, para depois voltar para trás, só para saber como correu a viagem. Senti-me apática.
Suspirei. Olhei para o resto do dia e pareceu-me comprido.
Afinal, o que é que eu fazia antes de ter uma filha? Havia a necessidade de me lembrar e depressa. Não foi fácil e nisso o marido teve o papel mais importante. O almoço foi diferente. A salada impôs presença à mesa, o que não acontece tantas vezes como devia. E, se estava a pensar como as coisas estariam a correr, depressa o soube. A avó ligou a relatar a chegada. O passeio depois de almoço, já tão repetido, foi uma (re)descoberta (a avó ligou a relatar a tarde). Tempo para um filme não-infantil (a avó ligou a avisar quando é que voltaria). Pressão de água favorável e um duche antes do jantar. Noite chegada e uma filha entregue a dormir de cansaço.

Obrigada, avó, pelo relatório prestado e pelo dia passado. Obrigada, mor, pelo resto do dia.

09 June 2006

Amor

E, como hoje nada tenho para dizer, deixo um poema da Florbela Espanca.

Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


Bom fim-de-semana.

07 June 2006

Vista curta



Tenho dificuldade em agradecer todos os dias o que a vida tem de bom. Espremo as palavras em sumo de conta-gotas, para um copo quase vazio. Olho e penso que ficarei com sede depois de um gole num só trago.

Porque há coisas boas à nossa volta, eu luto para as ver mas vejo-as como se necessitasse de uns novos óculos. De testa e nariz franzidos, com os óculos a escorregarem pela penca abaixo. Falha-me a vista e não vou ao médico com receio que não haja cura para o meu mal.

Por vezes, as coisas parecem diferentes. Eis novas lentes de aumento e avisto algo bom que merece ser apreciado. Como um elogio inesperado. Como um desenho infantil em que parecemos uma batata com braços com um sorriso maior que a cara, que nos ilumina o rosto batatóide. Como uma ajuda imprevista de alguém que nos é próximo.

E eu? Que ajudo eu? E a quem? Sinto-me como um prato requintado sem sal. (En)sonsa.

01 June 2006

Lamber gelados


Os dias quentes convidam a um gelado. Foi isso que fiz. Pedi um gelado. Escolhi algo crocante com um sabor doce mas não muito. Regalei-me com a ideia de um sabor único em cima do cone. Uma lambidela. Duas lambidelas. Era o sabor certo. A ideia de ter a língua de fora não me agradava, não sei porquê. Devia ser falta de hábito. Os últimos gelados que comi eram de copo. Três, quatro lambidelas e… ups. E a bola voou para fora do cone, estatelou-se no chão com um sonoro “poc”. Fiquei desolada a olhar para o chão, com uma bola ainda lisinha e um cone de bolacha inteiro e rijo (ainda não tinha tido tempo de amolecer com o gelado). Que cena.
Cheguei à conclusão que comer gelados também precisava de prática. Por isso, este Verão vou ignorar os quilos a mais e vou exercitar a minha língua com gelado na mão. E vou esquecer que é considerado mal-educado ter a língua de fora, praticando umas lambidelas rápidas mas menos violentas.

26 May 2006

Zumm ao acordar III


- Filha, acorda. Já é de dia.
- ...
- Vá. Abre os olhinhos.
- Estou a tentar mas eles não querem abrir.

25 May 2006

Dia da Espiga



Passa-me todos os anos a data. Assim, preparem-se, este é um post temático. Sobre a data a assinalar (no calendário para ver se não me esqueço, outra vez).
Dou conta quando vejo os pequenos molhos de espiga e flores espalhados nos cestos das vendedoras de rua. A minha avó tinha o hábito de comprar um ramo todos os anos. A minha mãe ainda tem. Eu compro por arrasto na tradição. Este ano, para não ser só “arrastada”, decidi mergulhar um pouco na história. Aqui fica o que descobri (parece um post à Pinky, só que este não é mitológico. Hei-de fazer um a sério):

História religiosa
Ascensão de Jesus ao Céu - 40 dias depois da Ressurreição, apareceu Jesus pela última vez, aos seus Discípulos em Jerusalém e levou-os ao Monte das Oliveiras.
Depois de lhes ter renovado a promessa do Espírito Santo, ergueu as mãos ao céu e abençoou-os. Nesse mesmo instante começou a elevar-se no espaço e não tardou que uma nuvem o ocultasse aos olhos dos assistentes. Como estes continuassem a olhar o céu, apareceram-lhes dois anjos a anunciar que Jesus voltaria do mesmo modo que o viram subir. Então os Discípulos deixaram o Monte das Oliveiras e regressaram a Jerusalém.
Este dia encerra um ciclo de quarenta dias após a Páscoa.

Tradição
É costume as pessoas irem para os campos apanhar a espiga de trigo e outras flores silvestres, fazendo ramos simbólicos da fecundidade da terra e da alegria de viver. Um ramo pode ter espigas de trigo, folhagem de oliveira, malmequeres e papoilas. Pode também incluir centeio, cevada, aveia, margaridas, pampilhos, etc. Este ramo, em número de combinações variáveis conforme as localidades, pendura-se dentro de casa e aí se conserva durante um ano, até ser substituído pela “espiga” do ano seguinte.

O ramo
Cada elemento simboliza um desejo:

A espiga = que haja pão. Isto é, que nunca falte comida, que haja abundância em cada lar.

O ramo de folhas de oliveira = que haja paz. A pomba da paz traz no bico um ramo de oliveira. Também para que nunca falte a luz (divina). Antigamente as pessoas alumiavam-se com lamparinas de azeite, e o azeite faz-se com as azeitonas, fruto da oliveira.

Flores (malmequeres, papoilas, etc.) = que haja alegria. Esta é simbolizada pela cor das flores. O malmequer ainda «traz» ouro e prata, a papoila «traz» amor e vida e o alecrim «traz» saúde e força.

Conclusão
Nunca fui ao campo apanhar espigas. Nos dias de hoje é díficil fazer um ramo. E com a minha sorte então ... Vejamos: como vivo na cidade, vou ter de planear uma ida ao campo para fazer o meu ramo. Ao preço que a gasolina está e com portagens em todos os troços de estrada construídos, a ida ao campo é capaz de sair cara. A tentativa de apanhar as fraudes económicas em Portugal faz com que a legislação seja cerrada e assim arrisco-me a ser multada por apanhar ramos de oliveira (o azeite está caríssimo). Se fizer uns ramos extra para a família, também me arrisco a ser acusada de tentativa de venda sem licença.
Pensando bem, há um mercado aqui perto.

Feliz Dia da Espiga para todos.

24 May 2006

Zumm ao acordar II


- Gosto muito de ti mãe.
- Eu também, pipoquinha.
- E também vou gostar mesmo se fores velha.
- Eeeegh... Ainda bem filha. Mas ainda vai demorar até eu ser velha.
- Mas vou gostar de ti na mesma.

22 May 2006

Ícaro de mim

Nas asas do ensejo quero subir ainda mais. Perco-me no alto, não sei onde estou, respiro com dificuldade, o ar, o vento, os cabelos à minha volta. Numa fobia de azul-céu, ofusca-me a luz brilhante e sinto que não pertenço aqui. É demasiado alto. E desço vertiginosamente ocupando o mesmo lugar que anteriormente, numa ânsia inquieta de voltar a tentar. E com o Ícaro de mim a afligir a demência da mente, colo novamente as penas do momento, brancas, brilhantes, suaves, fartas, de anjo caído a quem eu tirei sorrateiramente umas penas para mim. O brilho azul chama-me. Fecho os olhos à luz mas ofereço a face, resplandecente e aguardo outro momento.

19 May 2006

Lisboa

A cidade onde nasci. Onde morei até aos 12 anos. Onde vivo de dia e passeio à noite. Cruzei e cruzo muitas ruas. Ainda não conheço todas. Os bairros característicos, os prédios, as praças, a história ainda em movimento. Eis Lisboa. Todos os dias, no eléctrico, no metro, no autocarro, no comboio, gente que passa e não lhe passa na ideia ver as ruas de outra maneira. Como se fossem turistas acabadinhos de chegar. E veriam com olhos de ver e não de olhar, Lisboa. Os prédios pareceriam mais bonitos, engraçados, teriam outro charme sobre o peso dos seus anos. As janelas formosas de Belém, de Alcântara, de Campo de Ourique, de Alfama que Maluda deu fama nos seus quadros. A Baixa seria um labirito simples de lojas e comércio à mão de fotografar, de saborear, de encher a vista e não saber para onde olhar primeiro. Os azulejos, tão bonitos e ricos em detalhes da história de Lisboa que já foram alvo de livros de autores ingleses (?!), seriam vistos como uma obra de arte e não como uma parede revestida – e que linda parede. Azulejos nas fachadas a emoldurar janelas, como esta de um restaurante no Bairro Alto.
As pedras da calçada portuguesa, tão distinta no nosso país, seriam evitadas pelos sapatos de quem passasse para poderem ser admiradas. E nós, que passamos a vida a olhar para o chão, não vemos nada. Não vemos os copiosos desenhos formados pelas pedras habilmente postas pelos calceteiros nos passeios, em edíficios onde a calçada entra pela porta. Ver também o fado, que dele Lisboa não se separa, que abriga como a um filho nas suas saias de varina. Um olhar de turista dentro de casa. Como se tudo fosse nosso (e é) e tivessemos o gosto de o mostrar a uma visita, quarto a quarto, sala a sala. E, numa amostra, de como seria, está Mariza que o faz como se estivesse em sua casa. Dá a voz a Lisboa num vídeo promocional da nossa capital portuguesa. Uma visão fadista na CNN. Que conheçam um pouco do fado pela mão de quem sabe cantar. Lá fora e cá dentro.

17 May 2006

Por aí

O dia está quente, convidativo, mais atrevido. Atrai as saias e os tops de tecido esvoaçante. Também eu fui atraída e sinto a brisa morna como uma cascata suave que me cai delicadamente em cima dos ombros. Não sou a única a sentir-me assim. Olho em volta para as pessoas que entram para o Metro e vejo ombros sorridentes.

Ouvi na rádio um comentário acerca dos 200 banhistas que já se encontravam na praia em Stº Amaro de Oeiras - ainda passava pouco tempo depois das 10h. A vontade do locutor transparecia na descrição – também ele estava com vontade de largar o microfone e juntar-se às pessoas deitadas sobre a areia.

Olho a rua despida. Restam, das árvores abatidas, trocos ainda agarrados ao chão. Apenas uma árvore nova foi plantada – tão fina que só tem alguns ramos esguios salpicados de uma dúzia de folhas. As àrvores em volta largam bolinhas de algodão numa chuva suave e delicada em homenagem à Primavera. Alguns dirão que será dedicada às alergias.

Respondo a um inquérito de rua. Dedico-me a vir a pé uma parte do caminho. Fujo dos olhares de um grupo de homens atravessando a rua (apanhei um trauma com grupos de rapazes e acabo por fugir de qualquer tipo de ajuntamento). Aproveito e vejo o menu do restaurante em frente, dirigido por uma “tia” que gosta de comida caseira. As refeições são boas mas um pouco caras.

Subo a rua e entro no emprego. E eis que o dia começa. Bom dia.

15 May 2006

Tem dias II

Os dias não são todos iguais. As noites também não. Não consegui dormir porque tive a companhia indesejada da insónia sentada ao lado da cama. Porque estava atenta, mesmo sem querer, e ouvi o barulho do ressonar do vizinho debaixo. Porque o hamster estava a fazer barulho com a roda onde gasta as parcas calorias que ingere, ou enche as bochechas até já não caber nem mais uma semente de girassol impedindo-o de entrar na casinha de barro, com janelas pequeninas onde só cabe o focinho. Porque ao tirar a roda, numa tentativa de reduzir o ruído do metal a girar em seco, levei uma mordida da maldita moradora (esta rata é um hamster zangado com tudo o que se mexe). E acabar com um penso no dedo às 3h da manhã, não é a minha ideia de uma noite relaxada. Porque o chá quente demora a arrefecer e queima em todas as frustrantes tentativas de os lábios sorverem um pouco de água perfumada com folhas aromáticas. Porque descobrir num programa às tantas da manhã que os churros são de origem espanhola e não portuguesa, foi um choque (a propósito, as farturas são de origem nacional, que eu já fui confirmar).
Porque hoje escrevo com o dedo polegar espetado como se fosse um isqueiro sempre aceso. Porque acabaram-se os copos de café e só se pode tirar bebidas nos copos altos do chá, que não cabem na abertura do café. Porque me esqueci do meu almoço em casa e só descobri quando já estava no trabalho. Porque a tira do sapato descolou-se e vou chegar a casa com um clip a prendê-lo. Porque o cabelo decidiu entrar no jogo e colou-se à cabeça com medo de cair no caminho.
Tem dias e não são todos iguais.

12 May 2006

Tem dias

Numa vida cheia de afazares é normal que haja dias mais atarefados. Ou invulgares.
Esta semana, num dia, consegui perder uma pequena carteirinha de bolso, DENTRO do bolso, a caminho da escola da minha filha. Sem me despedir dela, voltei apressada para a rua à procura da dita bolsinha, a pensar como é rápido estes objectos adquirirem novo dono. Fiz o caminho inverso. Até perguntei ao varredor de rua se a tinha visto. Voltei à escola, acomodada à ideia de não voltar a ver o recheio do pequeno objecto, para me despedir convenientemente da minha filha e dar uma última olhada ao chão da escola – a esperança é a última a morrer. Encontrei uma auxiliar e duas cozinheiras a contar o recheio da minha pequena bolsa. Parecia uma partilha dos despojos. Devolvida a bolsa com explicações pelo meio, sai em direcção a casa. Ainda falei com o varredor de rua que continuou à procura da bolsa, numa acção solidária.

O dia avançou. Na hora do almoço, fui ver de um cortinado numa loja aqui perto. Encontrei o que desejava e também um abajour que pretendia decorar. Na loja, a vendedora ainda tentou aliciar-me para um pequeno candeeiro mais adequado ao que eu procurava (e mais caro). Ao acender o mesmo, numa demonstração da potencialidade decorativa do objecto, a lâmpada explodiu, ficando o casquilho colado ao candeeiro, e deitando abaixo o sistema de Multibanco. Sorri, num sorriso amarelo e solidário à situação (não pude deixar de pensar “ainda bem que não comprei o candeeiro”). Não tinha dinheiro (em notas e moedas) comigo. Só tinha o cartão do Multibanco. Que não funcionava. Deixei tudo na loja, sem trazer nada.

No emprego, os pequenos recados sucediam-se. Também era o último dia para uma tarefa mensal. A ida para casa parecia cada vez mais longe. A tarefa parecia enguiçada e sem fim à vista. O computador não ajudou. O tempo também não porque não parou nem fez uma pausa para o café - a máquina do café também não queria funcionar, queixava-se da falta de temperatura. A tarefa terminou já era de noite.

Nem sei que conclusão postar. Uma treta.

11 May 2006

Quimera

A dor do vazio instala-se ao lado da indiferença. Andam de mãos dadas quando penso que saí fora em mim. Para um mundo desconhecido onde tudo se passa vagarosamente. A realidade é de perto o mais longe possível, a um passo de distância. Este mundo estranho, translúcido, passa serenamente por mim como para me acalmar ou para apenas me levar durante um momento. Não há nada nele. Escassamente, em instantes, surge quando a mente a divagar se ausenta de si mesma. Vai-se suavemente, dissolvendo-se com a realidade. Acordo. Estou de novo aqui.

03 May 2006

Campos de papoilas

Macias, sedosas, pequenas e vermelhas. Já não há campos de papoilas. Nem de malmequeres ou de outras flores em campos a perder de vista. (suspiro - imaginem isto com um olhar melancólico). O olho não se enche com uma só cor por cima do verde das folhas a perder-se no horizonte. A pupila, que é pequena mas consegue ver mais que o próprio tamanho, mal se enche com a visão de uma ou duas flores, aqui e ali, à beira da estrada ou povilhando os montes que resistem ao progresso.
A relva tomou conta dos jardins e parques por onde passeamos, onde as crianças brincam. As árvores parecem parcos e singulares monumentos, distantes da nossa fantasia de jardim onde a sua sombra cobre os bancos e repuxos de água frescos num convite ao descanso. (Mais suspiros - olhar desviado para outro lado).

E sem mais querer dizer, aqui fica uma imagem para quem tem saudades de ver um campo de papoilas. Isto está a ficar com ar lamechas mas eu quero ver uma campo de flores... seja de que qualidade for.

28 April 2006

Sono filosofal

Esta noite acordei de madrugada. Dei comigo às voltas na cama a tentar adormecer de novo. Não adiantou. Os olhos não queriam abrir, pesados de cansaço, o corpo estava dormente de estar na mesma posição mas a mente recusava-se a fazer uma pausa e deixar que o sono a invadisse. Ainda houve um momento que ela esteve quase a render-se mas levantou as armas quando ecoou pela casa o barulho da máquina de lavar roupa da vizinha debaixo. Fiquei alerta novamente e olhei para o relógio. 3h30. Suspirei. Pensei nalguns palavrões mais apropriados à situação, com os olhos ainda a reclamar de se terem aberto por alguns segundos (tive de focar os números vermelhos neon do despertador) e voltei a tentar novamente adormecer. Era suposto ser fácil. Afinal, os olhos já estavam fechados. A mente divagou, por onde já não me lembro, e acabou na Pedra Filosofal. Não conseguia afastar o poema de António Gedeão. Seguiu-se imediatamente a música. Primeiro o refrão. Soava repetidamente, como um disco riscado. Depois dei conta que sabia mais um bocado. Quase metade, para dizer a verdade. Quis mudar de tema e fui parar à “A Minha Alegre Casinha”. Soou a música dos Xutos e Pontapés durante uns segundos e depois voltei à Pedra. Cantei mentalmente. Talvez fosse como os sonhos maus – quando contados a alguém não voltam a aparecer. Mais uma. E outra vez. Não resultou. Voltei a dormir uma hora e meia depois, esgotada a canção. Não quero voltar a repetir o show musical desta noite. Vou tentar exorcizar ambos os poemas deixando aqui as letras do que cantei. Boa noite.

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


A Minha Alegre Casinha

As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Meu Deus como é bom morar
Num modesto primeiro andar
A contar vindo do céu.

26 April 2006

Política

Não gosto de falar de política. Nem o vou fazer. Mas achei interessante este artigo publicado em 1867, por Eça de Queiroz. Está actual, apesar da diferença de 139 anos.


25 April 2006

Como sombra

A vida agoira sobre os vivos porque não o pode fazer nos mortos.

24 April 2006

Enlaçados

Os laços que enlaçam
os laços de família
são traços entraçados
que não se desfiam

São fios que se prendem
formam a linhagem
destes descendem
nós em contagem

E o fio contorçido
enredando memórias
está assaz comprido
com velhas histórias

Agulhas finas, delicadas
não páram de tecer
vidas contínuas, delgadas
de todo o ser.

19 April 2006

Expressões infantis

Nada como uma criança para agarrar as expressões mais simples da vida. Pode ser em post-its.


TRISTE





FELIZ




ESPANTADO

18 April 2006

O outro lado do campo

O almoço de família em domingo de Páscoa foi na casa da minha tia, para os lados de Santarém. Os meus tios são pessoas da cidade que tiveram a possibilidade de ir para o campo. A minha tia, mulher de acção sem medo de trabalho (apenas de bichos), viu a oportunidade de ter uma casa de campo. O meu tio, homem bruto mas culto, viu a oportunidade de ter uma pequena quinta. O resultado foi uma mistura de ambos. Uma casa decorada com gosto com um pomar na frente e pastagem atrás.
Aos poucos, como se de uma colecção se tratasse, foram surgindo os animais. Primeiro um cão, dócil e armado em D. Juan, depois outro com ar enganador de fera. Mais tarde, um gato de pêlo todo branco e outro malhado, com mania de que é tigre. Todos se deram bem, sem fazer justiça à guerra “cão e gato”.
As galinhas tiveram que esperar que o galinheiro fosse acabado mas depois vieram cerca de 15, contando já com o galo. Na mesma morada, vivem também três pombos.
E como uma pastagem serve para pastar, faltava a quem dar o pasto a alimentar. Vieram as ovelhas: duas ovelhas e um carneiro, para ser mais exacta. Por fim, a última aquisição está instalada ao lado do galinheiro: um casal de coelhos.
Pensei que a minha tia, pessoa pouco dada a animais, gostaria de ter uma variedade mais limitada. A ideia partiu, na verdade, do meu tio que fez questão de vestir a personagem de pequeno agricultor.
Desde o dia em que se mudaram, achei que duas pessoas da cidade, sem experiência de campo, poderiam ter algumas dificuldades com o novo e variado espaço. Tudo parecia correr bem. Foi relativamente simples tratar dos cães. Arranjar guarida para os gatos, também. Talvez, pensei eu, fosse mais fácil do que parecia. Ou não.

Há cerca de um mês, ao ir dar de comer às ovelhas pela manhã, o meu tio encontrou, com grande espanto, não três mas quatro ovelhas. Uma tinha engravidado, pariu um cordeiro e ninguém deu conta.


A história de domingo começou pela briga dos coelhos. Um já tinha a orelha roída. O meu tio pediu conselho a um vizinho, homem do campo, pessoa prestável e mais entendida em coelhês. À vista desarmada, o bom homem sorriu e chamou a mulher. Foi a senhora que confirmou a notícia. Não eram dois machos, não senhor. Eram um macho e uma fêmea. A luta prendia-se com o facto do macho estar a pisar o ninho que a fêmea tentava construir. Ninho? O olhar do meu tio aguardava a inevitável notícia. Estava grávida e paria ainda hoje, sentenciou a boa senhora. Abanos de cabeça e uma coelheira limpa o mais rapidamente possível e enchida com palha, foi o resultado. O coelho foi hospedado no galinheiro, à pressa, para deixar a coelha à vontade. Não sem o protesto espalhafatoso das galinhas que fugiram para um canto (galo, incluído, o medroso), incomodadas com o novo e forçado hóspede.
As novidades não ficaram por aqui. A confusão gerada na moradia das (de)penadas fez surgir uma pequena bola amarela de patinhas finas por debaixo de um dos ninhos. Foi a minha filha que o descobriu. Não é um pintainho? Sim, é. Filho único no meio da confusão.


A tarde já ia a meio e a coelha, aflita, andava com a palha na boca de um lado para o outro, alisando, compondo o pequeno espaço.
Era preciso vir embora para casa mas não resisti, fui ver de novo a coelheira. Apanhei o terceiro coelho a nascer, pequeno e sem pêlo, como um pequeno hamster mas de orelhas maiores. Todos fomos ver.
Pus-me à estrada.


A Mãe quando fala é para ser ouvida, quer a palavra cumprida, boa ou má. Não espera ordens, nem cumpre prazos senão os que ela faz. Continuará a falar para todos os seres vivos. Não vai esperar que o meu tio construa outra coelheira. Vai continuar no seu passo e o meu tio vai ter de a acompanhar.

10 April 2006

Uma mão cheia de nada (é teu, 'tia'...)

Como se escreve quando não há o que escrever?

Não adianta, pensar, ou tentar arranjar um tema. O cérebro não pensa a altas horas. Só tenta permanecer activo mesmo sem nada para escrever.
Com Fernando Pessoa na contra-capa de um post não escrito (não há sobre o que escrever) musa pobre para um espírito vazio, não sei para onde a escrita me leva. Deixo que a 'pena' guie a mão e espero que a viagem tenha um destino. Não sei para onde vou, nem páro a perguntar caminho. Só sei que não me detenho mesmo que não exista nada por onde correr. Ando às cegas. Não me importa. Tenho fado. Está traçado a cada passo marcado pela escrita que segue lado a lado de um nada, de um vazio preenchido a cada instante.

Numa mente despejada, uma fonte jorra secretamente (disfarçadamente) um turbilhão de pensamentos, tão rápido que deles nada se percebe a não ser a sua clareza superficial. Eis que a fonte se esgota numa aparente torrente imparável como se emergisse um obstáculo invisível e quebrasse a corrente. E dela, não se percebe para onde terá seguido, apenas que foi interrompida. Um fundo escuro cobre o chão cristalino, das águas jorradas pela fonte. Pensamentos derramados seguem o fluxo da àgua. Não estão perdidos. Apenas caídos. Procuram o seu lugar, sem se espalhar. A água encontra sempre o seu nível. Eles aguardam.

Serão recolhidos, logo que possível.


[Qualquer coisa que encheu uma folha de papel à 01h30 desta manhã.]

07 April 2006

Zumm de açucar

Num pacote de açucar de uma marca de café com ilustração supostamente humorista:

"Pensamento do dia - A cidade é uma grande comunidade onde as pessoas se sentem solitárias em conjunto".

Ok. Quem quiser, pode deixar uma gargalhada aqui. Também se aceitam comentários de solitários.

06 April 2006

Zumms de Rock

Os Roxette são a minha banda de eleição. Um grupo que, ao contrário dos restantes, teve sucesso com os primeiros álbuns e mais ainda nos que se seguiram. Algumas músicas fizeram-me companhia durante várias crises (de identidade, de escola, de amizade, de namoro). Numa canção, era capaz de me deixar navegar pela letra e embalava numa viagem de 3 minutos pelo "outro lado". Reencarnava na personagem principal, passava pela fronteira do meu quarto e embrenhava-me num outro pequeno mundo descrito na canção.

Hoje, ouvi de novo algumas músicas. Dei por mim a reviver momentos suaves e leves como uma neblina matinal. Outra música, outro momento. Idem, idem, idem. Surgiam a cada palavra cantada, como num sonho guardado numa sala-recordação, das tais que pensamos ter a porta trancada e não sabemos da chave. Eis que, destrancada, recordo. E sinto-me feliz.
Oiço e estou a viajar. Estou outra vez do outro lado. Tomo atenção à letra:

She's so vulnerable, like china in my hands
She's so vulnerable and I don't understand
I could never hurt the one I love
She's all I've got
But she's so vulnerable
Oh so vulnerable.

Days like these no one should be alone
No heart should hide away
Her touch is gently conquering my mind
There's nothing words can say.


E no fim, violinos. Outro instrumento (para além do piano) que me deixa presa a uma música. E sinto-me vulnerável.

Outra música:

...I do believe love came our way
and fate did arrange for us to meet

I love when you do that hocus pocus to me.
The way that you touch,
you've got the power to heal.
You give me that look,
it's almost unreal,
it's almost unreal.


As recordações surgem e fazem-me sorrir. Invande-me uma felicidade juvenil.

Este Hocus Pocus é almost unreal.

03 April 2006

Abril, ora chora ora ri

E para não fugir aos provérbios, o céu é azul e está uma tarde solarenta, a jorrar raios quentes que fazem jus ao top de alças que trago vestido. O vento é afinal uma brisa de algodão-doce que convida a passeios à beira-mar.

Mas ainda não vi mais andorinhas.

Abril, tempo do cuco, de manhã molhado e à tarde enxuto

Hoje, o céu azul está escondido por um tapete de nuvens cinza que não deixa ver o sol. Se se afastasse, poderíamos ver o verdadeiro aspecto de um dia de Primavera. O vento desagradável tornar-se-ia uma brisa convidativa. A bola de luz, tapada pelas nuvens, jorraria os seus raios quentes por cima da cidade - e sobre mim, fazendo juz ao top que trago debaixo do casaco.

Mas não está assim. O céu está cinzento, corre um vento incomodativo e parece o início de um dia triste. É, contudo, Primavera. Ainda, ontem, vi a primeira andorinha deste ano. Já tinha pensado quando as veria. Aparecem sem dia marcado. É sempre uma supresa. Como uma visita inesperada mas bem-vinda. Para mim é sua vinda que marca o início da estação. Porque as andorinhas sabem melhor que ninguém quando é que começa o calor. Não lhes interessa, que nós humanos, tenhamos uma marca no calendário. Interessa o que a natureza lhes diz. A Mãe tem uma voz diferente. Sabe sempre quando as deve chamar ou dizer-lhes que está na altura de partir. E ela falou.

28 March 2006

Zumm ao acordar

- Filha, acorda (diz a mãe deitada com a filha ao lado).
- Quero ficar aqui mais um bocadinho a cheirar os teus cabelos. Cheiram tão bem! (responde sem abrir os olhos).

27 March 2006

Como beber café e passear (da forma mais complicada)

Pegue na sua criança (qualquer uma com idade inferior a 12 anos) e saia de casa. Meta-se no centro comercial, especialmente num domingo de ar chuvoso, e de preferência, logo depois de almoço.

Pode, logo que chegue, por tentar beber o café. Enquanto aguarda na fila, tente manter a criança debaixo de olho porque sossegada é impossível. É provável que perca a sua vez na fila porque teve de ir buscar a criança 50 metros mais à frente. Tente outra vez. Dê a mão à criança e entretenha-a com qualquer coisa. Bem, com qualquer coisa também não. Pacotes de açucar não são boa ideia, apesar de estarem mesmo ali à mão. Guardanapos de papel são mais úteis mas apenas se estiverem acompanhados de uma caneta. Quando lhe parecer que pode soltá-la e mexer o seu café, atenção para não recomeçar de novo.
Também surgem outros imprevistos. Como a vontade da criança de ir à casa-de-banho. É provavél que apareça sem ainda ter molhado os seus lábios com a bebida aromática. Para não correr o risco de não ser a única coisa molhada, diriga-se para o WC mais próximo. Repita a operação depois de ter bebido o café.

Tente ver umas lojas. Cuidado com aquelas que estão perto das lojas de brinquedos ou de material informático. Pode sair de lá com um jogo ou DVD que não estava a pensar adquirir.
Repita a operação WC, desta vez com a ida ao das crianças.

Descontraia. Jogue às escondidas nos corredores das lojas. As crianças adoram. Dê mais uma volta ao centro. Depois de algumas lojas é natural que perca a noção do tempo e já sejam horas do lanche. Duas hipóteses: ou fica no centro e gasta algum dinheiro/tempo numa refeição leve ou volta para casa. Nenhuma das duas pode levar mais do que 5 minutos a decidir ou arrisca-se a ter em mãos uma crise de fome. Demorou-se? Repita operação WC.

Volte para casa. Arranje um lanche e pense se poderia ter gasto mais uns minutinhos a ver o preço de alguma coisa. Se a resposta for sim, repita o processo no domingo a seguir.

23 March 2006

Porque as árvores morrem de pé

De fita estendida
Ao tronco abraçada
Está a primeira das sete
De igual destino marcada

Está serena, indiferente
Ao fado já traçado
Distante do futuro
Por si não reservado

Melhoramento de arvoredo
Eis a justificação
Operação: abate
as sete serão

Num placar pode-se ler
Nos itens a informar
Desta espécie são a abater
Outras sete a plantar

A dois dias estão
as Populus Alba para fora
as Pyrus Callersyana virão
sem rancor e sem memória

22 March 2006

Primavera em Alijó

Não me passou ao lado o início desta estação. Dei conta no calendário onde tinha incluído outra nota: Dia da Árvore.

E existe uma árvore que ontem teve direito a uma notícia só sua: a 'Árvore Grande', na aldeia de Alijó, no coração do Alto Douro. Um plátano de 150 anos.
Os entrevistados, naturais da aldeia, falaram sobre a presença da árvore que ali permanece desde que nasceram e que influencia a vida da pataca aldeia.

Ponho-me a pensar que a dita árvore tem, no peso dos seus ramos, a vida de tanta gente. Que a queda das suas folhas alimentam o amor sentido de alguém. Que a sua casca rija, riscada vezes sem conta, serve de apoio a abraços apaixonados, a brincadeiras de criança, a alguém sem fôlego para continuar o seu caminho. Que debaixo da sua sombra, muitos se abrigam - pessoas e animais, pássaros e insectos. Ama-se, brinca-se, chora-se. E ela tudo acolhe.

Ontem, em troca do que deu (e dará) sem nada pedir, recebeu o carinho da aldeia e também a sua segunda nobre placa onde indica a sua idade: 150 anos.



(Descobri esta foto da fonte de Alijó onde se vê ao fundo a Árvore Grande que está tão alta que sobressai naturalmente na foto).

21 March 2006

Escreva o seu próprio romance

O título é mais comprido: "Escreva o seu próprio romance Lobo Antunes em apenas dez passos". É uma banda desenhada temática (Manual de Instruções para Crimes Banais), com ilustrações de Hugo Pena e texto de Jorge Pedro Ferreira. Saiu na revista Periféria nº 14 e esta descrição sublinha o facto de não ter pedido autorização para reproduzir, comentar ou fazer seja o que fôr com esta BD. Que é refrescante!

Não tenho o hábito de ler a revista mas a 14 estava aqui disponível - ou melhor, estava no carrinho dos livros que serve de balcão a uma feira interna e também, quando não há material novo, de cesto de trocas e depósito de tralha que alguém não quer.

Reproduzi o texto (as imagens não consigo - tentei mas não se percebe nada) para colocar aqui. Cá vai:

1. Inicie a escrita simultânea de cinco romances (manuscritos a letra míuda) e avance, no mínimo, até às trezentas páginas.

2. Certifique-se de que pelo menos dois dos romances se passam em África.

3. Retire a primeira e última palavra de cada parágrafo.

4. Recorte cuidadosamente cada página ao meio, obtendo assim duas folhas A5 pelo método de divisão de uma folha A4 (processo eminentemente surrealista).

5. Atire todas as folhas ao ar e recolha aleatoriamente 544 páginas (número obtido pela soma de 44 e 550).

6. Escolha um título retirado de um poema, certificando-se sempre da impossibilidade de ser detectada qualquer relação com o livro.

7. Entregue os manuscritos a uma senhora com o apelido de pequena pedra, que os deverá decifrar e passar a letra de forma.

8. Faça chegar o original a uma editora portuguesa com o nome de uma personagem de Cervantes.

9. Dê entrevistas, aguardando pela quarta questão para se zangar com o jornalista.

10. Sente-se e aguarde pelo Nobel.

E pronto. É tão simples como seguir a receita de um bolo. Pensei logo "eu também posso fazer um romance". Faço uma mistura, umas alterações, enfim sigo mais ou menos a dica. Já destruo a maior parte das minhas receitas culinárias. Nunca as sigo à risca (será por isso que nunca fica igual à das fotos gastronómicas publicadas?) Porque não um livro? Um romance? E posso adicionar as receitas. Que ideia deliciosa. Ler ficção e cozinhar ao mesmo tempo. Será que alguém já se lembrou disto? Se não, tenho que ir registar a ideia...

17 March 2006

Lutas de um dia de chuva

Depois de alguns dias de sol sorridente, de roupa lavada que seca em duas horas, de meninas com ombros de fora, das árvores a florir e pólen no ar, está a chover.

De banho tomado, sequei o cabelo. Segue-se uma luta. Esta foi com a escova. Ganhei com a ajuda do secador. Saio para a rua. Quase imediatamente, o vento e a chuva tornam infrutífera a minha batalha. O cabelo parece rir-se e espeta-se no ar com um ar feliz.

Luto com o vento da minha rua. Luto com o capuz do meu casaco que insiste em levantar-se, com os cabelos nos olhos e com o chapéu-de-chuva que me quer levar mais depressa do que os meus passos. E, com este, tenho uma espécie de dança. Coloco-o contra o vento, agarro-o com mais força, volto-me de novo ao virar da esquina. Entro no carro e fecho-o. Abro-o de novo, à saída, com o cuidado de não o largar para o vento não ficar com ele. E luto outra vez com o mesmo adversário. Desta vez, saio vencedora mas o chapéu sofreu uma baixa. Uma haste ficou sem pano.

Seguem-se as poças de água. Tento manter-me seca. Estas botas não gostam de chuva, ficam encharcadas e baças com pouca água. Saltito no passeio. Não parece resultar. As gotas sobem pelas calças acima. Sacudo-as e elas elevam-se ainda mais. Ok. Esta é uma luta que definitivamente acabei de perder.

Vou trabalhar com o meu cabelo sorridente, com o meu chapéu já mais recomposto, com as minhas botas já baças e as calças... bem, essas meto-as debaixo do secador das mãos do WC e voltam ao normal num instante. Afinal, sempre ganhei este combate.

Sou uma vencedora!

12 March 2006

Festival quê?!?

Festival RTP da Canção 2006.
Nem dei conta de que iria haver um este ano. No meio de um zapping, tentei perceber que programa era este. Caretos a cantar? Caretos?!? A canção estava no fim e o seguimento do programa deu a entender que era o Festival da Canção. Voltou o Festival? pensei ainda de boca aberta. E com caretos??? Estaria a ver bem? Seguiu-se um intervalo.



O Festival RTP da Canção foi, num passado recente, o evento português mais importante e esperado do ano. Algo equivalente aos óscares hollywoodianos.

Há cerca de 15 ou 20 anos atrás, ouvia-se falar do Festival meses antes de acontecer. Antecipava-se a sua chegada com um sentimento quase infantil. Quem iria participar, quem escreveria a música vencedora ou quem a iria interpretar.

Falava-se do Festival nos cafés, nas pausas dos empregos, nos intervalos das escolas, nos transportes públicos. As comadres lá da rua visionavam qual seria o vencedor e esse era, certamente, aquele dos "olhos bonitos" ou o da "voz rouca". As conversas rodeavam os concorrentes e passavam de boca em boca. Até já havia um favorito ou favorita.

Havia também uma espécie de ritual. Algo que um bom espectador não podia perder. Tinha-se de se estar atento à data do início do Festival. Depois, comprar os cupões que, semanas antes, os jornais e a TV Guia publicavam e que permitiam que o público votasse com antecedência. Outra coisa a não perder era assistir à apresentação diária das canções que iriam participar e que passavam na televisão, uma por dia, dias antes. Absorvia qualquer um. Seria melhor que a do dia anterior? Homem ou mulher? Tinha boa voz? Ou é um grupo?

Lá em casa, à hora marcada, os olhos de todas nós não descolavam da televisão. A avó, sentada no velho sofá, de olhos brilhantes com saudade de outros tempos, ouvia atenta as letras das canções; a mãe tecia hipóteses sobre quem iria chegar ao fim e tentava decorar o nome dos concorrentes e respectivos compositores; eu tentava decorar o refrão da música preferida para não me esquecer qual era, para que no dia do Festival, voltasse a cantá-la como se pudesse ajudá-la a ganhar.

E o dia chegava. A voz do Fialho Gouveia fazia-se ouvir e o Festival começava. Apresentava-se o júri, passavam as canções, seguia-se as votações do júri, as votações do público, o suspense da contagem dos votos, a vitória. De novo, a música vencedora.
E ainda havia mais. Repetia-se todo o processo ao ver Portugal representado na Eurovisão, onde a canção portuguesa competia com outras europeias.

De volta ao fim do intervalo, outra canção. O intérprete é Beto. Não o reconheço. Oiço a entrevista pré-gravada. A canção inicia e não me agrada. Olho para o fato branco do Beto e saltam à vista os sapatos. Parecem sapatos de palhaço. E é inevitável. O riso sai espontâneo da boca para fora. Credo. Ele está a cantar ou a actuar? O realizador devia estar a tentar disfarçar o que era óbvio e faz planos do público e do júri. Descubro a presença de Simone de Oliveira que canta junto com o coro, aplaúde e sorri com o mesmo entusiasmo que sempre lhe conheci. A música termina.

A voz de Elídio Clímaco, muito mais velho mas com o mesmo timbre inconfundível, transporta-me imediatamente a outros tempos e a outros programas - quem não se lembra dos "Jogos Sem Fronteiras", tão entusiasmantemente relatado por Élídio? E traz-me uma saudade que pensei não existir, enquanto ouço a apresentação feita por esta voz que mistura o presente e o passado a cada palavra.

Segue-se o júri. Ok. Não apanhei isto do princípio. É o Felipe La Féria? No júri? Bem, se calhar é impressão minha. Não, não é. Introduz no seu discurso uma homenagem sentida a Fernando Tordo que faz o público levantar-se das cadeiras com aplausos à mistura. Relembra outros artistas e sublinha a presença de António Calvário, o 1º concorrente do Festival de 1974. Ah. Afinal isto está a tornar-se didáctico, pensei. E, sem ninguém pedir, António Calvário salta da cadeira a mostrar a sua nova plastificada cara, com um aceno de mão e um ar sorridente. Eu também salto mas para não deixar queimar o jantar e volto asap.
Simone, com a sua voz forte, faz um curto discurso mostrando-se solidária com os concorrentes. Sabe o que é estar no palco e não o esqueceu.

Segue-se a pontuação. O quadro das votações surge no ecrã. Supresa! Os votos não são secretos! Estão discriminados um a um, por debaixo das iniciais do júri. Ok. Mais uma novidade. Suponho que no fim do programa (em directo) os artistas vencidos poderão desforrar-se do júri (para este caso, favor seguir as indicações: 3ª porta do lado direito, após o contornar o cenário. Em caso de dúvida, será colocado uma tabuleta com a palavra "júri" pendurado do lado de fora da porta).

Outro comentário. Tó Zé Brito. Um discurso que não ouvi. Mais uma ida à cozinha. A atribuição continua. Fátima Lopes faz o seu discurso. Fátima Lopes?!? Eeehh. Será que mudei de canal? É o ModaLisboa? Não. Ainda estou no Festival. Ok. Concluo que a lógica, agora, é que os concorrentes sejam avaliados também na sua apresentação. Isso ajuda a explicar a posição das concorrentes que vão à frente. A intérprete da canção "Sei quem sou (Portugal)", Vânia Oliveira, tem um vestido branco justo até à cintura, decote favorecido - quase até ao umbigo que mostra umas mamas muito redondas -, cintura fina e saia curta com cauda a tocar no chão - que permite ver umas pernas bonitas (até a Simone frizou ser um detalhe importante para a Eurovisão). Tenho de admitir que tem uma boa voz, não é só um corpinho bonito mas este ajuda muito. Talvez, afinal, estejamos a tentar entrar num novo concurso, um Modavisão ou assim.





Seguem-se as Non-stop que apostaram nas mini-saias (e na música inspirada nos anos 80 que não tem nada de original, a não ser a letra, claro). Temos uma disputa entre mamas e pernas, portanto. Quem sairá vencedora?



O último elemento do júri a falar é João Gobern. Suado, bem falante e de várias vezes com a palavra cortada pelos apresentadores - com muita pena minha pois foi uma das opiniões mais realista e crítica. Após a sua votação, vislumbra-se um 1º lugar que ainda não é definitivo. Falta o povo. O Zé Povinho tem a palavra. Está à frente as maminhas, seguidas das perninhas. Qual será o gosto do Zé Povinho?

O fim da votação por telefone (e internet) termina. O computador regista e ordena os votos. Outra nova modalidade. Uma contagem decrescente. Estamos a 30,...20, ... (porquê começar no 30?)...10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 4, 2, (viram bem porque o 3 não apareceu), 1, 0. E a vencedora é..... Um empate. Entre as mamas e as pernas.

Agora está renhido. Como é que se desembrulha este pacote vencedor? Fiquei à espera da resolução, com uma certa curiosidade, à espera, talvez, de um comentário do júri ou até, quem sabe de um sorteio bola-branca, bola-preta. Até me desencostei do sofá e arregalei os olhos (ouvidos também que a confusão já era grande no auditório). A resposta veio de seguida. Nestes casos, vence a canção a quem o júri atribuiu mais votos. O quê??? Vencem as pernas? Não pela interpretação, nem pelas vozes (são 4 as Non-Stop) mas pelos votos de 5 elementos que compunham o júri contra centenas de espectadores (ou dezenas que eu não os contei mas por certo que foram mais do que 5) que formam uma opinião nacional??

E o público presente também reagiu. "Vânia, Vânia, Vânia", chamavam com aplausos.
As expressões das concorrentes no palco variavam entre o espanto e a alegria (e a incredulidade da Vânia). O realizador saltitava entre câmaras. Outra expressão sorridente da Vânia, amarela entenda-se. Isto fugiu para o dramatismo. Parece um Big Brother versão musical. A confusão continuou com os apresentadores a tentarem terminar o Festival, esforçando as vozes para se sobreporem aos apupos.
Enfim, a canção vencedora fez ouvir novamente, último ritual inalterável deste Festival.

E foi mais um Festival da Canção. Não foi?

Sugestão: Para os caretos-cantores, sobreviventes ao calor sentido no auditório, poderia ter sido atribuído um prémio pelo melhor esforço de compostura em palco e por terem aguentado até ao fim da emissão sem tirarem um único fio de lã de cima do corpo.

01 March 2006

Zumm - É um...

Centro comercial típico, cheio de gente. A montra da loja dos animais está dividida em aquários/gaiola com espécies diferentes. Avós e neta (cerca de 6 anos) vêem a montra. O avô, de mãos nos bolsos, olha por cima do ombro da avó, com ar de quem já está farto do passeio.
Avó - Olha. Tem uns ratinhos e tudo. Pequeninos, olha. (Dedo esticado apontando o óbvio).
Neta - Sim.
Avó - Olha este ao lado a saltar! É um... hamster? (Inclina ligeiramente a cabeça em direcção ao avô obtuso).
Avô - É um hamster ou... porco-da-india. (Responde quase sem se mexer).
Avó - Pois.... um hamster a saltar, olha. (Atira com o queixo para a frente).

E a neta olha fixamente o ser saltitante antes de concluir: É um esquilo!

O Canal Panda e o National Geographic são muito úteis. Avós, sintam-se livres de acompanhar as crianças nestes canais animados e didácticos.

Mais boca que ouvidos II

Ok. Após remoer o assunto durante horas, ter ficado indignada, ter achado que não valia a pena o empenho de um serviço bem feito para ouvir "bocas", achei que desta vez tinha de haver conversa. Fico irritada de pensar que isso obriga-me a tomar esta atitude. Conversa frontal. Tête-a-tête. Destesto. Admito, no entanto, que é eficaz.

Ok. Novo obstáculo. Como ultrapassar a indignação e ir falar com a pessoa? Faço caretas, abano a cabeça, mordo o lábio. Entrego-me ao vício de anos no meio de mais umas caretas. Que raiva. Suspiro, mais abanos de cabeça. Será que há outra solução? Claro que há. Posso ignorar. Mas isso não resulta. Tenho de ter uma conversa. Tem de ser.

ok. É desta. Tenho que me aproximar. Até estou vermelha. Corada? ou de raiva? sei lá. Não interessa. Falo. 5 minutos de conversa. Mais isto, mais aquilo e afinal foi um mal-entendido. Valeu a pena ter falado. Alívio. As bochechas voltaram ao normal.

23 February 2006

Mais boca que ouvidos

Quero saber porque as pessoas gostam de mandar 'bocas'. Chamá-las indirectamente de algo. Pior. Chamar o que não são. Não saber morder a língua na hora 'H' e atirar meia dúzia de palavras em flecha, prendendo qualquer conversa a um alvo.

Não oiço 'bocas' com intenção de elogiar a pessoa atingida. Nem sei se existe um termo correcto, caso isso aconteça. Boa boca? Elogio oral? Palavra altamente nobre atirada para o ar com alvo certeiro? Pombas (brancas) para quem apanhar?

Há quem não saiba ser modesto. Há quem ache que o é, sem o ser. Foi este o caso do post. Será que existe um remédio para a falta de modestia? Se sim, gostaria de ter o nome do produto futurista que poderia resolver o mundo em questão de várias tomas. "Tome de 8 em 8 horas". "Caso não se sinta melhor nos próximos dias, consulte o seu assistente psicológico e descubra outra solução perto de si".

29 January 2006

Neve e mais neve

Estava com olhar especado no vidro, acabadinha de estacionar e pensei, ainda agarrada ao volante: "que chuva tão estranha".
Nunca tinha visto nevar. Estou a ver agora pela primeira vez. Neva em Lisboa e arredores. Pessoas que vivem há cerca de 50 anos aqui, dizem o mesmo: "nunca tal aconteceu. É a primeira vez que se vê nevar aqui". Nunca vi nevar. Não reconheci um floco de neve. Nem os que se seguiram. Foi preciso o marido dizer-me: "Está a nevar". Sorri. Um largo sorriso. "Está mesmo a nevar em Lisboa".

27 January 2006

Aniversário

Hoje é dia do meu aniversário. Acordei a pensar se alguém se lembraria. O marido lembrou-se. Menos mal. A filha também porque o pai lhe disse. A mãe também porque me pariu e seria estranho que não se lembrasse depois do trabalho que teve. Não gosto de lembrar as pessoas do meu aniversário. Hoje fi-lo (porquê???!!?????). Cheguei ao trabalho com uma caixa de sortidos na mão, interrompi uma reunião com uma oferta de um bolos miniatura e introduzi uma conversa de aniversário. Não fui capaz de dizer logo que era o meu. Não, senhor. Tive que explicar primeiro outra coisa. Que uma colega fez anos ontem. "Que cobarde", pensei. "É uma coisa simples", pensei. "Diz, diz", pensei. "Ah, estamos a comer os bolos dela?" perguntou uma colega. "Diz agora", pensei. "Não" - disse eu, para aproveitar a deixa - "são os meus, porque eu faço anos hoje". "Aaahh!!" disseram. E seguiu-se um rodopio de beijinhos, ao qual constatei que já não estou habituada!! (mas porque carga de àgua o disse???). E fui perdoada pela interrupção.

26 January 2006

Emails

Abro o email pela manhã. A profissão leva-me a recebê-los. Às carradas. Quatro endereços diferentes. Acaba o "send/receive" e faço a contabilização: 10 novos e-mails no endereço principal (a juntar aos já 1215 que tenho e não apago), mais 17 num, mais 10 noutro e mais 2 no último. Na pasta dos "Junk E-mails" estão mais 10 a negro. Hoje são poucos mas o dia ainda mal começou.

Entre o total recebido, metade são spams. Perco tempo a juntá-los à lista a bloquear e penso que um dia a lista terá excedido o limite de endereços a adicionar. O resto são informações que me chegam. Esfrego as mãos. Vou começar uma vingançazinha pessoal. Pensei nela há uns tempos. Depois de ouvir um desajustado raspanete, de um serviço que não me compete e de ter verificado que não era obrigada a tal. Achei que podia tirar partido de uma forma diferente. "Recebes esta informação e não divulgas?", "tens de perceber que aqui é importante que nós saíbamos isto...", blá, blá, blá. De alguém que recebe os mesmos (sim, os mesmos) emails que eu. Esfrego as mãos e começo a primeira parte. Vejo a lista recebida. Escolho. Este - forward. Este também - forward. Mais este - forward. A pasta dos "sent items" já acusa 20 enviados. Poucos mas o dia ainda mal começou.

Falta a segunda parte da vingança. Essa é uma história que fica, talvez, para um segundo post. Agora é preciso esperar. Só mais uma hora. É suficiente. Uma hora e o esfregar-mãos recomeça.

25 January 2006

A primeira abelhice

Este é um post pré-post. Ainda criado em word. Talvez um dia seja usado.
É uma abelhice de ouvido.
Dirigia-me ao carro, já de noite, e do outro lado da rua estava um campo de cimento, q podia ser usado para qlqr coisa, no meio de um espaço verde (daqueles em q a Câmara insiste em chamar de jardim). Estava a decorrer um jogo de futebol. “Oh, Caralho, passa a bola, Caralho”. Olhei para as pedras do chão que passavam ao ritmo dos meus passos e fiquei à espera do silêncio. O “Caralho” deve ter passado a bola. “Caralho, assim não, práqui…” – ouvi de seguida. O frio fez-me apressar o passo. O jardim já estava um pouco mais longe. Ainda ouvi farrapos de um grito “Passa, Caralho, passa…”.
Oiço chamar pelo “Caralho” em tudo o que é sítio, a qualquer hora do dia, para o que quer que seja, em qualquer idade. Penso na desilusão de já não ouvir chamar pelo Zé Povinho - ou o 'Manel' ou o 'Chico' ou pelo 'Tio Zé'. Existe é o “Caralho”. E este devia mudar de profissão...