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23 February 2007

Avó Carolina I

A minha avó tem 83 anos. É a avó que me resta. Tenho muito carinho por ela.
Mulher de armas, não parava a não ser para dormir. Sempre muito limpa e arrumada, viveu a sua vida como o caminho que escolheu, ou que lhe restou escolher para si: com muito trabalho, com muita labuta. Lembro-me dos tempos em que me sentava no colo dela, para beber o leite do biberão, do cheiro a detergente da loiça acabada de lavar que emanava das mãos dela enquanto me segurava no colo já pequeno para mim. Das comidas feitas no fogão a gás, em cima da pedra mármore da chaminé, trono que usara muitas vezes para cozinhar e para deixar que as tristezas lhe assaltassem o pensamento. Já não existe esse trono, nem o castelo que o acompanha. A casa era alugada e pertencia, sempre pertenceu, ao senhorio. Mais de quarenta anos não couberam na folha de papel assinada que legitimava a saída indesejada da casa que era sua.
Nunca o senhorio saberá as histórias daquela casa. As vidas que por ali passaram. Tantas. Que debaixo daquele tecto nasceram histórias de aterrorizar os mais valentes, nasceram intrigas, cultivaram-se desavenças, onde as paredes foram únicas testemunhas de infelicidades, de aflições. Também nasceram vidas ali dentro daquelas paredes, nem todas foram simples, mesmo à nascença.

No rosto redondo tem rugas macias, vincadas pela vida dura, olhos cor verde-azeitona, que vão ficando do tamanho de quem lhes dá cor. Um sorriso sempre no rosto mesmo quando sofre e quem a conhece, mesmo que a conheça bem, tem dificuldade em perceber quando sofre. Sofre em silêncio. Um sofrimento de doenças, de saudades de tempos idos, de pessoas que já morreram, dos primos falecidos com quem brincava na infância, da mãe que morreu quando ela ainda tinha doze esgazelados anos e lhe deixou a responsabilidade de ser a mais velha das três irmãs. Por ela, a sua mãe, é que a saudade nunca diminuiu, só aumentou. São 75 anos de saudades convertidos em lágrimas deitadas pela cara abaixo. E dela fala como se estivesse a falar de um anjo. Da sua doçura para com as filhas, da sua paciência, da sua generosidade, da sua compaixão por quem era pobre. A minha maezinha era incapaz de fechar a porta a quem viesse lhe pedir, por favor, um prato de sopa para comer, diz. Convidava a entrar na modesta casa onde viviam e oferecia o que tinha no lume de lenha, mesmo que só houvesse o seu prato de comida para dar, diz-me enquanto limpa os olhos. De todas as vezes que fala na mãe as lágrimas fazem companhia às suas palavras. Já me habituei a que assim seja.
E ouço os relatos de uma bisavó que nunca conheci, do anjo que o Senhor levou tão cedo, ceifada à vida tão nova.

3 ferroadas:

AnadoCastelo said...

Só um pormenor, a tua avó tinha 12 e não 8 anos quando a mãe dela morreu.
Eu conheci a irmã da tua bisavó e se a irmã era como ela pode-se dizer que era um anjo, porque a tia que conheci já era um doce fará a minha avó.
Beijos

Dia said...

Bonito.

Heiabelha said...

Obrigada pelo reparo.